A grande aposta

Fonte: Pinterest
Ele acreditava que Maria de Lourdes Fragoso era mulher leviana. Mulher dessas que se atracava nos braços de um desconhecido em uma esquina escura, mal iluminada. Mas a história de Maria de Lourdes Fragoso era a de que em sua cama apenas tinha havido um único homem: seu atual namorado que quase era esposo.

Mas ele duvidava da fidelidade dela. Em doses homeopáticas, atribuía as suspeitas de infidelidade nos pequenos atos a dois: lanches, cafés, saídas, sorvetes. Maria contou as suspeitas para uma amiga confidente. Disse que de homem apenas conhecia seu namorado e mais nenhum. Tinha feito coisas inacreditáveis por ele, pois seu pai era policial e muito rígido. Uma vez, disse ela, ele pediu para que ela dormisse com ele, apenas dormisse: durma essa noite comigo, meu bem. Simplesmente, queria dormir com ela.  Mas Maria de Lourdes não conseguiu uma boa desculpa para se deitar ao lado daquele seu homem.

Ao contar isso para sua amiga, pensou que talvez fosse esse o motivo das suspeitas insustentáveis dele: que ela dormisse com ele. Queria tanto agradá-lo, dizia para si mesma. Se perfumar, cuidar do corpo, ela pensava nele. Os toques de creme, os produtos que ela usava para ficar mais bonita. Tudo tinha a mão invisível dele: uma mão quente e rosada, que dirigia toda sua a vida, como se nessa mesma mão houvesse todas as linhas que ela precisa seguir para ser completamente feliz. Feliz? Sim, Maria de Lourdes Fragoso era aquele tipo de mulher que queria ser feliz: comer a dois, dormir a dois, pensar a dois.

A amiga que ouviu todo o relato e sonhos da desesperada, disse para ela dar um tempo: se dê um tempo, pode ser bom. Mas Maria não queria se ver sem aquele homem seu, pois era difícil tal opção. Doía-lhe o corpo todo, aquele seu corpo de mulher séria. Não queria sair daquele jogo que era estar com ele.

Foi desse ponto que ela percebeu: havia entre eles um jogo terrível, pois estava apostada a coisa mais alta que se poderia apostar: a felicidade. Um deles poderia ganhar, mas o outro não. O que ela pediria dele? Que ele fosse mais atencioso e menos grosso. Que ele também desejasse mais ela, aquele corpo que ela tanto protegia para ele. Maria de Lourdes era uma peça solta e solitária num jogo feito sozinha: dama sozinha em tabuleiro vazio.

Mas parecia impossível se ver sem ele, mesmo com a severidade do pai, queria dar uma noite para ele, uma noite em sua vida não lhe faria falta, pois já tinha vivido tantas noites, infindáveis perfumadas. Queria surpreendê-lo, exorcizar aquele ideia vaga e boba de infidelidade. A única vez que teve pensamento assim foi vendo novela.

Pediu a amiga o apartamento emprestado. Mentiu para o pai. Queria ser dele, dar aquela noite que desabrochava em lua nova: clara e límpida. Ligou para ele e disse toda a situação. Animado, logo aceitou a noite. Encontraram-se no apartamento e os dois foram tomados por um sentimento tão profundo quanto a intimidade: estavam sendo amantes de si mesmos. Ela queria aquela noite, ele a queria naquela noite. Ambos se resolveram amando-se feito brasa, mas sempre solitários.

No outro dia, com o despertar complicado, Maria de Lourdes acordou primeiro, tomou banho e preparou café. Ele acordou e foi direto pra mesa. Ambos se olharam como animais loucos em uma savana. No cruzar dos olhos aflitos de prazer, nenhum se reconheceu. Estavam perdidos: solitários e mudos.

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