Deitado em berço esplêndido




No quintal da minha avó, perto da Praça Santos Reis em Água Boa, existem duas árvores que tomam minha atenção: um pé de laranja-da-terra e um abacateiro. O primeiro, a gente consegue ver bem pertinho das bananeiras de bananas-prata, do cajuzeiro e do pé de uva-japonesa (pau-doce). O segundo encontra-se ao fundo, perto da cerca que delimita a propriedade da minha avó e do lote do fundo, próximo a caixa d'água municipal.

As árvores não são extraordinárias: são comuns como quaisquer outras árvores de suas respectivas espécies. As laranjas não são azuis e tampouco os abacates tem gosto cítrico. O que acontece é que, dentro de suas singelezas de árvores, ambas ensinam lições. A laranjeira tem uma grande parte morta: muitos galhos secos, assim como grande parte do seu tronco. Não dá mais frutos, mas continua em pé, com poucos galhos que folham. Minha madrinha disse que ele vai morrer, que é questão de tempo, apesar de estar em posição privilegiada no quintal, sendo molhado todos os dias, incluindo seus banhos de sol.

No fundo, o abacateiro está totalmente tombado, mas resistente, como um lindo rebelde, ainda vive. O que acontece é que era pra ele ser derrubado e foi. Dentro de sua crueldade de matrona, minha avó mandou matá-lo, pois os abacates espalhavam pelo quintal. Mesmo derrubado, o abacateiro continuou vivo. Deitado em berço esplêndido suas raízes foram mais profundas, seus galhos deram novas folhas e frutos, seu corpo se moldou a nova realidade. Ele quis viver e vive. Por sua vez, a laranjeira morre lentamente, mesmo a gente sem saber o porquê de sua decisão mórbida. Seus frutos não mais conhecem o mundo. Enquanto o abacateiro, assim como um rei poderoso deitado em sua cama de cipós e pedras, reina soberano o quintal. 


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